No interior da Paraíba, as comadres costumam dizer: menino canhoto tem parte com o demo. Isto porque elas nunca ouviram falar em Leonardo da Vinci e Paul Klee, dois dos muitos homens que dominaram as artes e as ciências, e que eram canhotos, sem que nunca Satanás lhes houvesse servido de inspiração. Elas também não conhecem a opinião de neurologistas e psicólogos, segundo a qual uma criança canhota é perfeitamente normal, e constitui pecado científico uma mãe violentar a tendência natural do filho.
A ciência concluiu, após muitos estudos, que tentar corrigir o defeito pode inutilizar a criança para o resto da vida. Outra crença muito comum nas cidadezinhas do Brasil é a de que as crianças nascidas durante um eclipse tornam-se inapelavelmente canhotas. Esta é apenas mais uma lenda em torno de um assunto que já dividiu o mundo científico e até hoje provoca sérias discussões entre os médicos. Na verdade, a ficção sobre o sinistrismo (nome científico dado ao estudo do canhotismo) vai aos poucos cedendo lugar à realidade. Existem as mais variadas hipóteses, dezenas de explicações que se chocam ou se completam, mas tudo com base puramente científica: o problema não é mais assunto de conversa de comadres. Mas se a ficção não existe, a verdade também está longe de ser fixada.
O fato é que a ciência ignora porque existem os canhotos. Os médicos sabem apenas - e isto já é importante - que uma pessoa canhota não é de forma anormal. Ela não é diferente dos destros, isto é, aqueles que usam apenas a mão direita. O ambidestrismo - uso indiscriminado de ambas as mãos - é coisa raríssima, pois está provado que a utilização de somente uma mão - o mandestrismo, em linguagem científica - é próprio da espécie humana, no seu atual estágio de evolução. Os macacos e chimpanzés são ambidestros e assim era o homem primitivo. Esta tese do mandestrismo é defendida por muitos cientistas, à qual chamam de “lateralização direita ou esquerda”. Para estes cientistas, o cérebro humano está dividido em dois hemisférios, direito e esquerdo, sendo separados por um sulco,, pois bem: experiências contínuas mostraram que o hemisfério cerebral esquerdo controla o lado direito do corpo, dando maior desenvolvimento ao olho, aos membros e ao tato dessa metade do corpo.
Enquanto que o hemisfério direito comanda o lado esquerdo, mas com o auxílio do outro hemisfério, o esquerdo., pois que os canhotos, embora com maior domínio das partes do corpo que ficam à esquerda, não possuem a mesma habilidade manual de um destro. Mas, antigamente, pensava-se que o feto, por sua posição habitual no ventre materno, recebia uma melhor irrigação sanguínea do lado direito, o que provocaria um maior desenvolvimento do hemisfério cerebral esquerdo. Como este controla os movimentos do lado direito do corpo, a criança, ao nascer, já traria uma tendência para o destrismo, ou seja, o uso da mão direita. No entanto, entre as incertezas da ciência, parece que é o uso da mão direita que leva o hemisfério cerebral esquerdo a se desenvolver. Até os dois anos de idade a criança recebe o brinquedo com ambas as mãos, igualmente. Mas, de acordo com a teoria da “irrigação sanguínea”, alguns fetos se desenvolveriam em posição contrária, nascendo assim, as crianças canhotas. Outros cientistas e não poucos psicólogos - já que o problema interessa muito mais à psicologia que à pesquisa pura - chegaram a afirmar que ser destro ou canhoto é pura consequência da educação, e que o cérebro não tem nada a ver com isso. Segundo eles, a criança não é canhota, porque na maioria das vezes sofre influências sociais, como a imitação e a obediência. Muito aceita no princípio do século, tal teoria teve seu representante máximo no Brasil na pessoa do psicólogo Clemente Quaglio, professor de Psicologia Experimental na Escola Normal de São Paulo. Mas tudo indica que as respostas a todas as perguntas estejam realmente no cérebro. Sabe-se hoje que os dois hemisférios cerebrais completam-se.
A antiga tese de que apenas um dos hemisférios funcionava está hoje superada, mesmo porque os ambidestros por natureza são tão normais como qualquer um. Só que um hemisfério se desenvolve mais que o outro sem que isso implique, forçosamente, na destruição ou inatividade de algum deles. Na grande maioria dos homens o hemisfério esquerdo domina a linguagem. Nos canhotos - que chegam a constituir 10 % da população na maioria dos países - o domínio da linguagem pertence principalmente o hemisfério direito. Até pouco tempo pensava-se que se um homem sofresse uma lesão no hemisfério esquerdo, perderia imediatamente o controle da linguagem. Mas, se ele fosse canhoto, continuaria falando perfeitamente. Entretanto, um fato recente veio contraria essa tese, confundir mais ainda um assunto já confuso. Aconteceu que no dia 28 de março do ano passando, o Dr. Aaron Smith, da Universidade de Nebraska, operou com êxito um homem chamado Ernest Coe, estirpando-lhe o hemisfério cerebral esquerdo, semidestruído devido a um tumor. A neurofisiologia acreditava que o hemisfério cerebral esquerdo comandava a faculdade da palavra, da escrita e do pensamento em geral. Ernest Coe, assim, estaria condenado, caso sobrevivesse à operação, a virar um autômato, um homem sem vida exterior. Mas, para surpresa de todo o mundo científico (o caso foi levado a um importante congresso de neurologistas em Moscou), Ernest Coe começou a falar em pouco tempo. A habilidade das mãos ele passou a readquirir lentamente e hoje caminha para a cura completa. O Dr. Aaron Smith declarou aos jornais: - Nossos livros escolares estão errados. O caso de Ernest Coe revolucionou a ciência. Então os dois hemisférios cerebrais possuem o mesmo potencial? Coe, segundo alguns cientistas, deve ter sido, na infância, um ambidestro, usando indiscriminadamente as duas mãos. Daí a sua salvação. É mais uma hipótese. Na verdade ninguém sabe por que Ernest Coe readquiriu os movimentos, se lhe falta a metade do cérebro. Muitos são os casos já estudados de extirpação de um hemisfério cerebral, em que as atividades simples voltaram. Mas quando o hemisfério extirpado era o que dominava a linguagem, esta era prejudicada em sua forma complexa. Agora, a ciência vai ter que começar tudo de novo. Muitos supõem que os canhotos tenham uma inteligência privilegiada - certamente porque muitos homens célebres só utilizavam a mão esquerda -, enquanto outros afirmam tratar-se de anormais., mas uns e outros não tem qualquer razão.
Estudos prolongados mostram que não há diferença entre destros e canhotos. Mesmo porque é um perigo tentar-se corrigir uma criança canhota. O cronista José Carlos Oliveira foi vitima de uma má professora e ele mesmo conta sua experiência: - Nasci canhoto. Aprendi a escrever sozinho, com a mão esquerda. Quando fui para o Grupo Escolar, era naturalmente o mais adiantado da classe, por já saber ler e escrever. Mas a professora, Dona Clotilde, cismou com os meus garranchos e me esbofeteava O ambidestrismo era apontado como a grande solução para os canhotos - aprendendo a usar a mão direita, eles se libertariam do defeito. Hoje tal método, embora discutível, é condenado. Mas a teoria do ambidestrismo trouxe muito pouca, ou quase nenhuma, contribuição. Se muitos canhotos ainda se queixam ente. de isolamento, esse sentimento está desaparecendo rapidam Vento Sul Famoso cientista italiano, o Professor Santori, da Universidade de Roma, afirmava, em 1910, que a educação unilateral, no sentido de transmitir a necessidade do uso principal de uma das mãos, era totalmente prejudicial. Nessa época o amem seu auge, dominando na maioria dos países. bidestrismo estava toda vez que me via escrevendo com a mão esquerda. Como não sou masoquista, acabei aprendendo a usar a mão direita. Conclusão: fiquei praticamente analfabeto, esquecendo como se escrevia com a canhota e mal tendo aprendido a trabalhar com a outra. Aos 14 anos, instintivamente, na Associação Espírito-Santense de Imprensa, comecei a trabalhar nas velhas maquinas de escrever. Hoje, prensa,escrevo com impressionante rapidez à máquina, mas com uma caneta na mão o meu espírito é lerdo e no terceiro parágrafo já estou com os dedos doendo. Grandes cientistas admitiam, no começo do século, que nos primeiros meses de vida os dois hemisférios cerebrais da criança são idênticos e cada um deles é capaz de governar por si só o corpo inteiro, em caso de lesão no outro. O Professor Clemente Quaglio, por exemplo, escreveu que “a criança nasce ambidestra e executa movimentos simétricos simultâneos sucessivos com uma alegria natural. Os adultos é que a levam a ser destra”.
Esta teoria é hoje superada. Mas, na ocasião, pouco conhecimento se tinha dos mistérios que envolviam o cérebro. A escola do ambidestrismo defendia teoria muito sedutora, que, até hoje, em seus seguidores. Ela partia do principio de que há um hemisfério cerebral ativo e outro passivo. Se este fosse reanimado, a ciência faria um homem comum um super-homem.
Fotos de SEBASTIÃO BARBOSA* ENCICLOPÉDIA BLOCH
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